Indivíduo 103 (2/3) - Pedro Pereira

Despertei lentamente do meu sono e apercebi-me de que aquelas mentes primitivas continuavam a partilhar o laboratório comigo. Pareciam estar mais calmas. Não se aperceberam de que eu tinha acordado. 

Mantive-me imóvel e com a mente calma, livre de perturbações. Talvez assim conseguisse enganar a máquina que me monitorizava. 

Duas das criaturas falavam no seu idioma primitivo. Estavam suficientemente próximas para eu ouvir a sua conversa. 

– Depois de quase vinte anos, finalmente conseguimos! Clonámos um Inai com sucesso! Temos de avisar o Supremo Sacerdote, ele vai querer saber as notícias. 

– Mas doutor, não acha que ainda é cedo? Será que ele está estável? 

– Pela primeira vez conseguimos acordar um indivíduo. Não nos limitámos a clonar tecido, este desenvolveu consciência! Parece-me um motivo mais do que suficiente para informar o Supremo Sacerdote. A Igreja investiu muito nesta investigação, há muito em jogo… 

– E o que vai dizer ao supremo sacerdote? Ele quer um clone de um Inai puro, esta aberração não passa de um mestiço. 

– Clir Lorek, já trabalhas comigo há dois anos neste projeto. És um dos geneticistas mais promissores que Sython já viu. Sabes perfeitamente porque é que não é possível clonar um Inai puro… 

– O corpo do espécime original tinha milhares de anos e, apesar de bem conservado, o ADN deteriorou-se, ficou incompleto… 

– E por isso mesmo, de todos os indivíduos que gerámos até agora, nenhum sobreviveu mais do que algumas horas. Só quando começámos a alterar o genoma do Inai, adicionando-lhe características de outras criaturas para o completar, é que começámos a obter resultados. 

– Não me parece que o Supremo Sacerdote vá gostar da ideia de termos conspurcado o ADN do seu precioso Inai com o de outras criaturas. Os Inai são os deuses da Igreja, as crenças estão bem enraizadas no povo. Além disso, são a base de toda a civilização moderna, toda a tecnologia que possuímos resultou de engenharia reversa dos vestígios que os Inai deixaram no nosso planeta. Clonar um destes seres e alterar o seu ADN não vai contra todas as crenças e ensinamentos da Igreja? 

– Agora é que estás preocupado com moral?! Não sejas hipócrita, Lorek! Aprecia o momento. Graças a este nosso feito vamos ficar para a história! E quanto ao Supremo Sacerdote, ele não precisa de saber todos os detalhes… Afinal, o Inai é o brinquedo dele, a ferramenta ideal para controlar as massas e dar mais poder à Igreja. 

Brinquedo?! Clone?! Aberração?! O que queria isto dizer?! Quem se julgavam estas criaturas para me usarem a seu bel-prazer?! Eu não sou escravo de ninguém! 

– Doutor, as ondas psíquicas! 

– Rápido, adormeçam-no! E coloquem uma dose de sedativo mais forte desta vez! A máquina detestou o meu descontrolo emocional. Em fúria, tentei libertar-me da minha cela, mas em vão. O tranquilizante foi inserido no tanque numa questão de segundos. A névoa regressou e eu caí novamente num sono sem sonhos…


Parte 3:
Parte 1:

1 comentários:

Carlos Silva disse...

Está bastante engraçado. Gosto muito da maneira como estás a tratar um tema de FC.

Quero ver como vai terminar

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