Crónicas Obscuras: Dança do Corvo (7/8) – Uma nova Era – Vitor Frazão

Hayato repôs o cachimbo na boca, balançando-o pensativamente. Não sabia o que o seu povo decidiria, nem lhe interessava. Ele não iria abandonar o mundo e recolher para uma aldeola perdida nas montanhas, onde passaria os seus últimos dias como um qualquer velho caduco e aleijado. Os tengu e os yokai em geral ainda precisavam da sua espada e, enquanto tivesse força para a erguer, viveria segundo ela. 

Abolida a sakoku humana, agora, mais do que nunca, crescia o risco dos Ocultos estrageiros invadirem solo nipónico, corrompendo-o com os seus conflitos, que dilacerariam o modo de vida dos yokai. Isto para não falar do risco crescente de entrarem no país Obliteradores, soldados dessa gigantesca sociedade secreta cujo único propósito parecia ser exterminar seres paranormais. Foram as histórias de Eleanora sobre o horror desse flagelo que atormentava as espécies sobrenaturais além-mar, que insuflaram em Hayato a necessidade de manter-se vigilante. Ironicamente, a única Oculta que desejava conservar no país, era aquela que não conseguia. 

- Os yokai têm muito para decidir sozinhos e esses são debates em que não me quero envolver – justifica Eleanora, passando as mãos pelo cabelo, procurando verificar se ele regenerara o suficiente para voltar a ser preso. 

- Sentes falta do que deixaste, não é? – inquire, tão perspicaz como sempre, enchendo a taça com sake e tragando-o de um gole, antes de voltar a equilibrar o cachimbo na boca. 

- Sim – confirma, prendendo os cabelos e sendo incapaz de evitar um sorriso perante as memórias das terras e gentes que conhecera do outro lado do mar. – Além do mais, não consigo afastar esta ideia, talvez utópica, de o resto do mundo usufruir do mesmo que vocês criaram. A comunidade yokai pode não ser perfeita, mas sempre é melhor que o caos generalizado que há lá fora! Talvez com ela tivéssemos hipótese de enfrentar os Obliteradores, de viver algo parecido com uma existência livre, sem olhar constantemente por cima do ombro. Não sei… se calhar é uma tarefa demasiado grande para uma simples vampira… 

- Bah! Também o é manter escumalha Oculta longe desta terra – atira Hayato, batendo com o metal do cachimbo no cinzeiro, para se livrar dos restos carbonizado, enquanto lançava à vampira um sorriso que tinha tanto de troça como de encorajamento – mas a ideia é, justamente, não teres de o fazer sozinha. Eleanora-chan, enfrentaste a justiça yokai e ganhaste, quão difícil poderá ser combater milénios de ódios para unir todos os Ocultos e exterminar os Obliteradores? Caso para se resolver numa estação, certamente, não? 

- Ah! Ah! Mais uma vez dá-me mais crédito do que mereço, Hayato-san – agradece, rasgando um imenso sorriso e fazendo uma pequena vénia. – Tentarei não desiludir. 

Apoio não era algo que o velho tengu desse à toa. Por ligeiro e informal que fosse o seu tom, a força e confiança patente nele era suficiente para dispersar as dúvidas que enublavam a mente de Eleanora, pelo menos, durante algum tempo. A vampira batia-o em idade e vira muito mais do que ele, todavia, por algum motivo, a sabedoria simples e a autoridade sólida do ancião, confortavam-na, como se viessem de alguém muito mais velho, cujo saber assentava nas raízes do Tempo. Hayato desejava que ela ficasse, porém, compreendia porque é que ela tinha que partir. Tal como ele não se sentia capaz de aceitar o exílio numa aldeola perdida nas montanhas, vendo o mundo passar, Eleanora não conseguiria ficar escondida entre os yokai, enquanto lá fora os Ocultos continuavam a ser exterminados pelos Obliteradores. Nenhum deles era capaz de cruzar os braços.


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