Ira - Pedro Pereira


Era praticamente impossível contá-los. Milhares de soldados marchavam pelos escombros da outrora grandiosa metrópole. A sua missão era clara: chacinar todos os humanos que encontrassem pelo caminho. E ali estava eu, a lutar lado a lado com a resistência, numa patética tentativa de deter o avanço das forças alienígenas.
Passando mesmo por cima da minha cabeça, um grupo de cinco drones alienígenas sobrevoou  a cidade num voo rasante, dirigindo-se para o que restava dos altos arranha-céus. Ouvi o característico som estridente dos seus canhões de energia. Em segundos, a terra começou a tremer sob os meus pés com o colapsar de mais um edifício.
Ao meu lado, o meu irmão encolheu-se ao ouvir o estrondo. Era apenas um miúdo de dezasseis anos, não deveria estar ali. Porém, as circunstâncias assim o exigiam. Numa questão de três dias, os alienígenas chegaram nas suas gigantescas naves de guerra e fizeram ruir o meu mundo. Família e amigos estavam mortos ou desaparecidos. O meu irmão mais novo era a única pessoa que me restava e que me fazia lutar naquela guerra perdida desde o início.
Com a mão esquerda fiz um gesto para que permanecesse em silêncio. O rapaz tremia que nem varas verdes, mal conseguia segurar na espingarda em condições. Mas quem era eu para o criticar? Afinal, também nunca tinha pegado numa arma até há alguns dias atrás.
Repentinamente, o grupo da resistência que seguia um pouco mais à frente na avenida abriu fogo. Ao som das balas a serem disparadas juntou-se o das armas de raios alienígenas.
Ao meu lado, o meu irmão voltou a tremer dos pés à cabeça. Fiz-lhe sinal com os olhos para que se acalmasse.
Atrevi-me a espreitar para lá da nossa barricada improvisada com automóveis. Um grupo de seis ou sete soldados abria fogo contra duas criaturas de vários membros. Os aliens vestiam as suas típicas armaduras mecânicas prateadas. Ainda ninguém fazia ideia de qual seria o aspecto daqueles estafermos por baixo do fato.
As balas disparadas faziam ricochete no metal prateado. Que liga metálica seria aquela que nem arranhada ficava?
Os alienígenas avançavam. Um deles atingiu um dos soldados da resistência. O homem desintegrou-se de imediato numa mistela de fluidos, viscosa e de tonalidades avermelhadas.
Subitamente, deu-se uma explosão no meio dos soldados da resistência, desfazendo os corpos dos meus companheiros naquela pasta nojenta. Olhei para o lado esquerdo da larga avenida e foi então que o vi. Um enorme robot alienígena, com uns três metros de altura e armado até aos dentes, avançava na minha direção.
Um outro grupo de soldados, que estava escondido nos escombros de um dos edifícios, abriu fogo sobre o robot, mas os seus disparos limitaram-se a fazer ricochete na sua blindagem.
O gigante de metal voltou a disparar e o chão tremeu. À minha volta voaram carros e destroços dos edifícios com a violência da explosão. Fui projetado no ar, percorrendo vários metros numa questão de segundos. Caí violentamente contra o asfalto, esfolando uma boa parte dos braços e das pernas. Levantei-me com algum custo e os meus olhos percorreram de imediato os montes de entulho, procurando o lugar onde ele estivera.
Onde estava ele?! Onde estava o meu irmão!?
No seu lugar nada havia para além da viscosa pasta avermelhada espalhada pelo negro do alcatrão.
Com um intenso nó na garganta, o meu corpo foi atingido por uma onda de calor. A minha respiração acelerou repentinamente, sentia-me quase a sufocar enquanto o suor escorria por mim. Já nada importava. Era como se tudo o que me rodeava tivesse deixado de existir, toda a minha atenção estava agora focada naquele gigante de metal. Cego pela sede de vingança avancei, a passo de corrida em direção ao robot enquanto abria fogo. O som dos disparos apenas abafado pelos meus gritos de dor e raiva.
Indiferente às movimentações do meu alvo, continuei a avançar. O gigante de metal virara-se na minha direção, preparando-se para me enfrentar.
Senti o sangue a bombear pelas minhas veias, a respiração acelerada e os meus músculos contraídos. O robot alienígena estava agora a poucos metros de mim, porém, qualquer réstia de medo que pudesse ter desvanesceu-se. O gigante de metal disparou um raio de cor azul na minha direção. Só aí me apercebi do meu erro, mas já era tarde demais…


4 comentários:

Leto of the Crows - Carina Portugal disse...

Gostei bastante das descrições, e tive pena de os dois irmãos terem morrido :(

Só achei que podias ter expresso um pouco mais de ira ao longo do conto e não só no final.

rui alex disse...

gostei bastante, acho que o tom foi acertado do princípio ao fim.

Vitor Frazão disse...

Concordo com Leto, devia ter tido mais Ira.

Joel-G-Gomes disse...

Apesar de poder ter um pouco mais de desenvolvimento e substância, gostei de tudo do princípio até quase ao fim.
O que quase estragou a história para mim foi mesmo a última frase: Só aí me apercebi do meu erro, mas já era tarde demais…»

Se é de Ira que estamos a falar, irra, vamos levar isso a sério! O irmão dele acabou de morrer, ele próprio sabe que está prestes a morrer. Que sentido faz ele aperceber-se do erro? E que erro? A ira cega-nos, rouba-nos a razão e era por aí que a história deveria ter seguido. O robot aponta-lhe a arma e ele avança na direcção, tipo berserker, mesmo sendo sabendo que é escusado. O que ele não pode, não deve, é tomar consciência de que cometeu um erro. Por um lado, porque não tem tempo para isso, por outro porque está demasiado "quente" para conseguir ter essa percepção.
http://en.wikipedia.org/wiki/Berserker

Enviar um comentário