Abraça-me para Sempre 2/3 - Carla Ribeiro


Era cada vez mais difícil lutar contra a dor, a agonia excruciante que haviam plantado no seu corpo e que não dava sinais de se atenuar. Perdera a noção dos dias decorridos desde que fora conduzido ao interior daquela sala imunda e tanto os actos imaginativos do torcionário como os espaços de abandono que intercalavam com esses momentos afectavam dolorosamente a resistência que, aos poucos, desfalecia.
Primeiro fora a luz, o jogo das lâmpadas ofuscantes contra as manchas antigas marcadas naquela parede. Recusava-se a imaginar o que as provocara ou – pior – a quem poderiam ter pertencido. Amarrado de braços e pernas à fria cadeira de metal, ali o haviam deixado, por mais tempo que o que conseguia contar, a imaginar que destinos cruéis lhe estariam reservados. Depois, ele viera.
Com o rosto coberto por uma máscara negra como as roupas que o cobriam, falara e a sua voz ecoava nas paredes, como se um novo tom de terrível e de inevitável se inserisse, assim, nas ameaças que proferia. Prometera-lhe um tormento excruciante, uma tamanha implosão de dor que acabaria por o conduzir à loucura bem antes do fim que, então, já desejaria com todas as suas forças. E pormenorizara-lhe tudo o que pretendia fazer-lhe, descrevendo até ao mais ínfimo detalhe os lugares onde as lâminas entrariam, que músculos rasgariam na sua passagem e que consequências imutáveis lhe ficariam marcadas na carne.
Inicialmente, tentara resistir. Podia ser demasiado fraco e ter falhado em ocultar-se ao inimigo, mas era fiel ao seu povo, mesmo que a sua condenação fosse já evidente. Não os trairia. Não podia permitir que o seu corpo falhasse ao seu dever. Com o passar de demasiadas horas, contudo, naquela prisão de angústia e de abandono, as poucas forças que lhe restavam começavam a ceder. Agora, sozinho com a dor do seu corpo ferido por tormentos bem maiores que os inicialmente prometidos, aliados a momentos como aquele, em que apenas a súplica dos seus sentidos clamava às paredes pela misericórdia do fim, sabia que não podia continuar. Já não era capaz de suportar em silêncio os segredos que o mantinham ali.
Em breve, o torturador voltaria e, com ele, as lâminas, as cordas e o fogo. Sabia que era impossível ser resgatado pelos seus e que, mesmo que o pudessem encontrar, as mutilações operadas sobre o seu corpo eram irreversíveis. Sabia também que, enquanto contivesse a informação de que dispunha, a morte continuaria a ser-lhe negada e a dor das lâminas a trespassar-lhe a carne e das cordas esticadas que lhe deslocavam as articulações não cessaria, mil vezes repetida até que ele por fim libertasse o conhecimento que insistia em esconder.

Com um gemido sinistro, a porta abriu-se e, mais uma vez, o mascarado colocou-se ao alcance do seu olhar. Daquela vez, contudo, a voz do cativo não mais se prenderia em palavras de desafio ou de inútil resistência. O inimigo vencera. Sabia-o. E, ante uma agonia já demasiado forte para suportar, ele não tinha alternativa senão ceder ao que lhe era exigido e revelar, afinal, onde se escondiam os poucos que restavam entre os que haviam persistido em resistir.




2 comentários:

Carlos Silva disse...

Conto com uma temática muito forte, mas arriscaria a pedir imagens ainda mais macabras.

Porque não é só a dar é também a humilhação. Urinar-se pelas pernas abaixo, gritar que nem uma menina, chorar baba e ranho. Gemidos constantes de dores de feridas já infectadas.

Tornar a decisão dele menos pensada e mais um grito animalesco de clemência.

Hoje estou muito gore.

De resto gostei muito. Fica-nos a desejar saber o que é que ele vai dizer.

Vitor Frazão disse...

Embora esta parte tenho o único objectivo revelar porque o prisioneiro cede, requerendo uma descrição elaborada em torno dos seus sentimentos, não posso deixar de considerar que o podia ter sido simplificado. Um texto mais directo até podia, na verdade, facilitar essa exposição.

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